sábado, 10 de novembro de 2012

Delírios

 Sentir-se só, em meio a multidão... quem já não sentiu tal sensação?
dedos entrelaçados, nervosos, calafrios... vendo vultos embaçados
sem encontrar uma razão...será egoísmo?... será loucura? ou será paixão?

Perde-se os brios... é um querer que não quer ... uma dor que desatina
empurra para baixo quem a estima... a boca seca o pulso acelera...
uma sensação de fragilidade toma conta... não importa a idade, cor ou credo
de quem segue essa triste (?) sina!

Noites de insônia... mal dormida...lençóis finos ...molhados, encharcados
com o suor derramado das faces afogueadas, acometida ... de um rubor insano
causado por um calor, vindo de dentro da alma, do mais profundo ser,
que não pôde ser contida!

Extravasa...grita... abra seu coração ... acorda dessa sua letargia ...
não se proíba... se declare... sim, ... isso não é egoismo!
Sim, isso não é loucura! ... Sim, sinta-se feliz ...
porque isso ... isso é PAIXÃO!!  




terça-feira, 14 de agosto de 2012

Dias cinzentos - II

Após a Revolução de 31 de março de 1964, tudo parecia que ia mudar, de fato já estava mudando. Era diferente do passado quando as Forças Armadas somente intervinham em casos especias para o restabelecimento da ordem. A impressão que tínhamos agora era que eles, os militares, vieram para ficar.  Estava surgindo uma nova fenomenologia política no Brasil, que alguns cientistas políticos já criticavam, e os intelectuais satirizavam. 
O primeiro presidente após o movimento de 31 de março foi Humberto Alencar Castelo Branco, em seu discurso de posse, que consta no Discursos. Brasilia, Imprensa Nacional 1964 p. 11, em parte ele diz:-" Espero, também, em me ajudando o espirito de colaboração de todos os brasileiros e o sentimento de gravidade da hora presente, possa entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo Povo, em eleições livres, uma nação coesa e ainda mais confiante em seu futuro, a que não mais assaltem os temores e os angustiosos problemas do momento atual". 
Um ano e meio depois, mediante o Ato Institucional nº 2 ele  extinguiu os partidos políticos existentes e estabeleceu a eleição indireta para a Presidência da Republica. 
Nesse cenário, o clima de incerteza política era um prato cheio, para os críticos, jornalistas e intelectuais da época, por enquanto, pois nuvens negras e não mais cinzentas, se aproximavam e essa liberdade iria acabar. 

Um intelectual da época que eu gostaria de destacar, era o Sergio Porto e seu alter ego Stanislaw Ponte Preta.  O primeiro tratava de assuntos sérios, tinha uma coluna nos jornais da época, compôs o " Samba do crioulo doido " , já o segundo, seu alter ego, passava o tempo criando personagens em suas crônicas diárias de formas divertidas e digamos assim, anárquicas.
Em 1966, portanto dois anos depois do movimento de 31 de março de 1964, que ele chamava de "redentora", escreveu o livro:- "FEBEAPÁ 1 - Festival de Besteira que Assola o país ". Nesse livro Stanislaw Ponte Preta, conta as bizarrice que aconteceu no cenário político após a "redentora". 
Algumas " otoridades " e alguns aproveitadores, começaram a praticar a arte do dedurismo ( segundo ele uma corruptela do dedo-durismo), incentivada pela "redentora", que era a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, ou alguém com quem não simpatizasse, como corrupto ou subversivo. Dessa prática surgiram as besteiras que ele conta no livro. Destaco algumas para satisfazer a curiosidade:- ' "Quando se desenhou a perspectiva de uma seca no interior cearense, as autoridades dirigiram uma circular aos prefeitos, solicitando informações sobre a situação local depois da passagem do equinócio. Um prefeito enviou a seguinte resposta à circular: "Dr. Equinócio ainda não passou por aqui. Se chegar será recebido como amigo, com foguetes, passeata e festas" '. 
Outra:- '" Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 a.C". Essa é demais:- " A Delegacia de Costumes de Porto Alegre mandava retirar das livrarias, sem dar a menor satisfação aos livreiros, todos os livros que fossem considerados pornográficos. Um dos livros apreendidos era "O amante de Lady Chatterley"  e, quando o delegado soube que o autor era súdito de Sua Majestade Britânica, mandou devolver todos os exemplares, explicando aos seus homens: " Nós não temo nada que ver, tche, com a pornografia inglesa. Só com a nacional, tche! " Se quiserem saber mais, leiam o livro, recomendo. Sergio Porto morreu de infarto em 30 de setembro de 1968, aos 45 anos de idade. Não viveu para presenciar o AI-5, que foi o quinto decreto emitido pelo governo militar. Entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do então Presidente Arthur da Costa e Silva.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Grupo Escolar

                                                             
Era impossível passar desapercebido uma figura tão grande, majestosa e desengonçada como aquela.
Seu caminhar era desajeitado, nos seus quase dois metros de altura, a cor de sua pele era azeitonada, cabelos lisos e grisalhos. Era o senhor Vicente, o servente, como se chamava a pessoa que prestava serviço na escola. Todas as manhãs, bem cedinho lá vinha ele com dois vasilhames em suas grandes mãos, cheio de tinta. Passava de classe em classe, carteira por carteira, enchendo os tinteiros que faziam parte delas. Era um recipiente em cima do tampo das carteiras com uma tampa corrediça para o lado, que protegia o líquido meio azulado, onde os alunos mergulhavam a ponta de suas canetas, as penas como eram chamadas, afim de escreverem em seus cadernos. As canetas tinteiros viriam um pouco depois, as famosas Parker 21 e 51.

Fazia isso metodicamente, como se fosse um ritual, e eu chegava cedo para acompanhar encantado esse ballet! Dá mesma maneira que ele vinha, saia, desaparecia em meio a multidão agitada dos alunos no pátio da escola.

Terminando de assistir o trabalho dessa interessante personagem, me dirigia ao refeitório, onde me aguardava um pãozinho bem quentinho acompanhado de um copo de leite de soja, igualmente quente. Pronto, agora era só esperar o sinal tocar, para se formar uma  fila, cada aluno tinha que esticar o braço direito e encostar no ombro do companheiro da frente. Essa fila se formava diante do número da classe que o aluno  estudava, depois era só  entoar o hino nacional. Era obrigatório!

Em seguida, cada fila se dirigia para suas classes, ordenadamente, uma por uma, classe 1...classe 2...classe 3..e assim por diante, até chegar a classe 16. Agora, todos sentados nos seus devidos lugares, aguardávamos o professor chegar, não demorava muito e ele entrava na classe e todos os alunos se levantavam e cumprimentavam o professor e só sentávamos quando ele dissesse: "Podem sentar-se."

Esse era outro momento que eu aguardava com ansiedade. Um aluno, que o professor designava, normalmente era o mais aplicado da classe, ia ao fundo da sala de aula, onde havia um armário, de madeira, muito bonito, envernizado, onde ficava guardado nosso material  escolar, cadernos, livros etc. Ele colocava um pilha de cadernos na carteira do primeiro aluno da fileira, havia cinco fileiras de oito alunos, ele distribuía essas pilhas de cadernos em cinco, conforme o número de fileiras.

Esse primeiro aluno tirava o seu caderno e passava a pilha de cadernos para o outro aluno por detrás dele, assim sucessivamente. Era um momento excitante para mim, pois gostava de ver meus cadernos impecavelmente encapados, com um papel verde escuro, que chamávamos de papel impermeável verde, o caderno de todos eram encapados assim, um por um, livros também. Tinham que estar bem asseados, senão, eramos chamados a atenção.

E assim, eu passava todas manhãs, encantado com o que via, dentro daquele prédio imponente de concreto armado, meio rosado. Havia ali dentro toda uma infraestrutura para um bom aprendizado. Refeitório espaçoso, dentistas, auditório, onde se lecionava canto orfeônico, um enorme pátio onde se praticava esporte e educação física.

Após as aulas, eu saia em disparada no caminho para casa, que ficava bem perto dali, satisfeito e alegre por passar mais uma manhã no meu Grupo Escolar!