segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Padaria Espiritual - I



Fazendo aquela tradicional arrumação, que todos nós fazemos algum dia, quando não conseguimos encontrar mais nada, quer seja no seu escritório, ou na sua estante de livros em casa, encontrei muitos livros, livros que eu supus nunca ter lido na minha vida.

Mas ao folhear alguns, notei que vários deles tinham muitas anotações feitas com a minha letra, naquele espaço em branco do lado direito do livro.

Anotações profundas, comentários e citações de outros autores, coisas que hoje me causam estranheza, não por serem fora de propósito, mas sim pela qualidade e clareza, não me lembrava de ter escrito aquilo!

Mas, um dos livros que me chamou mais a atenção, não pelas anotações que eu escrevi, foi uma coletânea de três volumes, da coleção Rubáiyát ( escrito assim mesmo) de título:- Seleta dos Ensaios de Montaigne”, traduzido por José Maria de Toledo Malta, com prefácio de Léo Vaz, da Livraria José Olympio Editôra – Rio de Janiro – 1961.

O que me intrigava era como, esses três volumes, considerado raros, tinha vindo parar em minhas mãos.

Tinha a capa original de quando fora editado, não tinha sido enviado para a encadernação, como é comum fazer com livros antigos, para a preservação deles.

A capa ainda está bem conservada, embora um pouco amarelada pela ação do tempo.

Olhando para aquela capa, bem frágil, e forçando um pouco a memória, as coisas foram se tornando mais clara, foram surgindo flashs, que foram me levando, aos poucos, há um passado que me trazia boas recordações.

Como não ser boas, quando essas recordações te levam a alguem muito querido? Um amigo íntimo, com quem passamos momentos alegres e divertidos?

Longas conversas, sobre assuntos variados e em lugares inusitados. Um desses lugares era uma adega, no bairro típico italiano do Bixiga.

Essa adega era estratégica, por estar, alí, no Bixiga, um bairro cheio de cantinas, onde se servia massas deliciosas e não podia faltar o tradicional acompanhamento de uma bela macarronada: o vinho!

A aparência dessa adega, a primeira vista, não era lá nada convidativa.

Ela estava encravada, esse é o termo certo, que eu encontrei para procurar definir onde essa adega estava, debaixo de um prédio residencial, como não sei, o dono conseguiu colocar naquele espaço tão pequeno, enormes tonéis de madeira, uns quatros pelo menos, contendo vinho! Até que não era ruim.

O ambiente tinha o cheiro característico do acre do vinho, algumas mesinhas e alguns petíscos, mas o que meu amigo gostava de tomar lá não era o vinho, mas sim uma cachacinha, sim, numa adega o dono tinha ali, escondidinho essa cachacinha especial para clientes especiais.

Esse meu amigo, era um intelectual, como se rotulava as pessoas cultas naquela época, hoje ele seria Geek, falava Francês fluente e estava estudando Grego por conta própria.

Tinha lido de tudo, um aficionado de Honoré de Balzac , como eu, assim nossas conversas eram longas e deliciosas, entre um delicioso queijo gruyère e gouda, um vinho e um trago e outro da cachacinha especial, a conversa ia longe!

Meu amigo era um sujeito simples, e é ai onde eu quero chegar. Ele tinha um irmão, não menos intelectual que ele, tinha sido beneficiado financeiramente, tinha hábitos requintados, cachacinha? Que nada, tomava uísque Buchanans, doze anos! Cigarros Carlton ou Dunhill, como passsou a se chamar, que eram os mais tradicionais na época? Não!! Fumava cachimbo, com fumo Half and Half lógico, e tinha uma biblioteca invejável!

Numa dessas conversas, meu amigo disse que o irmão dele, assim com eu estou fazendo, estava organizando sua biblioteca e tinha alguns livros que ele iria se desfazer e perguntou se eu queria alguns, lógico que aceitei na hora.

Assim, no meio desses livros, estava essa coletânea dos “Ensaios” de Montaigne e sem exagero ou por influência da minha imaginação, ainda sinto o cheiro do fumo do cachimbo!

Saindo desse devaneio e voltando a minha arrumação, notei na última contra capa do primeiro volume, que havia uma anotação alí, á lápis, com a inscrição que dizia:- “ Padaria Espiritual”

Fiquei muito curioso. Padaria Espiritual? O que seria isso?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cheiro de terra molhada



Eu não queria ir, mas não sei porque, se me deixava levar. Era um misto de ansiedade, emoção e angústia.

Afinal, eu não sabia o que iria encontrar lá, poderia me decepcionar, mas também poderia desfrutar de uma alegria incomparável, pois poderia voltar no tempo, relembrar os momentos felizes que eu passei por ali. Momentos de liberdade e pura traquinices, folguedos e correrias, sem se preocupar com o tempo, pois ele demorava a passar, como era bom.

Mas, e se eu me decepcionasse? Se eu não encontrasse o que estava procurando? À medida que descia aquela rua, aumentava as batidas do meu coração, estava tudo mudado, no lugar daquelas velhas casinhas de tijolos vermelhos, surgia pédios imensos, condomínios enormes, com muros altos, vigilância, tudo isso fazia dimuir cada vez mais a minha esperança.

Pronto, era só dobrar uma esquina!

Estava lá! Eu não podia acreditar no que via, mas estava lá sim, estava um pouco mudada...o muro...o muro não era mais aquele muro baixinho, sem cercas eletrificadas.

Estava lá e resistia, espremidinha entre enormes prédios, mas eu podia ver de onde eu estava, algumas árvores, frondosas, provavelmente frutíferas. Fui chegando mais perto, e posso dizer que eu sentia aquele perfume, que me levou mais e mais, atrás, na corrente do tempo! Sim, sentia aquele cheiro de terra molhada, pois era tardezinha, uma tarde bem fresca e podia sentir aquele cheiro que me levou de volta a minha infância!

Pulava aquele muro, outrora baixinho, com agilidade de um felino, e adentrava fundo naquele terreiro, passando entre outras árvores de frutas como, manga, carambola, laranja e ia direto, para uma, bem lá no fundo: a jaboticabeira!

Me deliciava com algumas, ali, no pé mesmo, comia até não poder mais, depois colocava a camisa para dentro das calças, e ia colocando mais algumas dentro da camisa, para comer mais tarde! Era uma traquinagem deliciosa!

O dono sabia, quando estava de bom humor, não ligava, mas quando não estava...era perna pra quem te quero, pois ele corria atrás de nós, com uma espingarda de tiro de sal!

E aquele que recebia um tiro desse, quem já levou sabe, ficava dias, as vezes semanas sem sentar!

Era divertido, mas quando escapavamos do dono do terreno, não escapavamos das nossas mães. Quando chegavamos em casa com a roupa toda manchada, dos frutos da jaboticabeira, era muita peia! Mas não tinha importância, estavamos felizes e satisfeitos!

Feliz como estou agora, por recordar um pouco da minha infância, graças a insistência e resistência heróica do dono dessa casa. Sabemos que ela resistira, ainda, por mais algum tempo, mas provavelmente sucumbirá à ganância e especulação imobiliaria, debaixo da desculpa chamada progresso.

Volto para casa satisfeito, por poder ainda sentir um pouco daquele cheiro de terra molhada!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Depois daquele som


Um dia passando por uma loja de discos, sim, dessas que vendiam aqueles famosos bolachões chamados de LPs, hoje chamam de discos de vinyl (chic!), ouvi um som diferente!

Nem imaginava que esse som, que eu tinha acabado de ouvir, iria mudar toda uma geração, toda tecnologia fonográfica que havia até então!

Para quem não tivesse um ouvido, um pouco mais aguçado, talvez não percebesse a diferença entre tudo que havia no mercado em matéria de música dirigida ao público jovem e aquele som!

Era alegre, vibrante cheio de harmonia, vocal bem afinado, guitarras com afinação diferente das que eu conhecia!

A loja era pequena, bem apertadinha, entrei e fui direto ao vendedor e perguntei, o que era aquilo que eu estava ouvindo?

Sorrindo, acho que porque, provavelmente eu não fosse o único a fazer essa pergunta, satisfeito ele foi até o fundo da loja e veio com um disco compacto, (hoje se chama single), de uma banda chamada The Beatles, nunca tinha ouvido falar!

O compacto era simples, com duas músicas, uma era a que estava tocando:- “ I want to hold your hand” a outra era “ This boy “, gravado em 29 de novembro de 1963.

Imediatamente fiquei com o disco!

Fui para casa ansioso para ouvir com mais calma essa novidade, convidei alguns amigos, que gostavam de música também, e todos ficaram admirados com o que ouviam!

Sim! Realmente a vida depois daquele som não seria a mesma!